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Homenagem a um amigo - Paulo Pelicano

Homenagem a um amigo

Ao longo da vida conhecemos pessoas que marcam e mudam nosso destino. Assim foi com meu amigo Paulo Pelicano (*1952 – +2009), de quem muito pensei nos últimos dias e a quem dedico esse artigo.

O nascimento de uma amizade:

Em agosto de 2003 eu e meus dois sócios de então (Arilma Marques e Rodrigo da Paixão) colocamos no ar uma web TV: a Tv Art Haus. Havíamos criado a produtora de mesmo nome em janeiro daquele ano. Eu tinha o projeto da TV desde 2000 e vinha estudando-o desde então. Cogitamos apresentar ao colégio no qual estudei o ensino fundamental, mas como eles tinham um departamento que trabalhava com vídeo, tive o receio de ter o projeto apropriado por eles.

Apresentei o colégio para uma ONG Católica, dirigida por pessoas próximas a mim. O projeto foi recusado, sob a alegação que o irmão do presidente da ONG, na época com pouco mais de 60 anos, “nunca entraria na internet para assistir vídeos”. Era julho de 2003. Nós 3 resolvemos colocar a web tv no ar da forma que fosse possível, com nossos recursos próprios. O que era difícil, visto que os 3 éramos recém-formados em Rádio e TV e só a Arilma, naquela altura, trabalhava em um emprego fixo.

Com os conhecimentos que adquiri no meu estágio realizado no ano anterior, no departamento de jornalismo do SBT, escrevi um release e divulguei para alguns portais da área de jornalismo e comunicação. No release eu abria a possibilidade de parcerias quanto ao conteúdo e quanto a estrutura da TV.

Um dos portais entrou em contato comigo e fez uma matéria sobre nosso lançamento: foi o portal Comunique-se, no ar até hoje. A matéria do Comunique-se gerou uma repercussão interessante e um jornalista entrou em contato comigo. Era Beto D’elbieux, o qual tinha um amigo que trabalhava em um provedor de hospedagem. Beto intermediou a reunião, ocorrida dias depois, mas que não deu em nada.

Após a reunião escrevi a ele e agradeci pelo contato. Fiquei sabendo que na verdade ele tomou conhecimento de nós via boletim Comunicadores, editada pelo jornalista Paulo Pelicano.   Beto era amigo de Paulo e passou meu contato para que eu pudesse receber as edições da newsletter. Logo passei a conhecer Paulo e seu alterego, o PP.

Os primeiros dias da Art Haus foram difíceis. Éramos muito amadores. Dos inúmeros contatos que surgiram com as matérias publicadas em sites como o Comunique-se, a newsletter Comunicadores e um terceiro (se não me engano ligado à revista Tela Viva), nenhum contrato foi fechado.

Havia um jornalista na equipe original da Tv Art Haus (Ricardo Chiessi) que era de Atibaia e iria voltar a morar na cidade. Com isso ele deixaria de gravar conosco.
Propus, como despedida, que o Ricardo gravasse uma entrevista com o Paulo. Ricardo sempre foi um bom entrevistador e poderia render uma boa conversa com aquele jornalista que, sem saber, transformou sua newsletter num Blog (quando o termo sequer existia).

Repassei o texto de uma das edições da newsletter para o Ricardo conhecer e estudar se poderia gravar com o Paulo. Comentei que pretendia oferecer um programa fixo a ele.  Mas na hora de encaminhar o e-mail, eu cliquei em responder: ou seja, Paulo recebeu a mensagem que deveria ter sido endereçada ao Ricardo.
Na hora ele respondeu: “- Entrevista? Comigo? Tô dentro”.

Morto de vergonha reforcei o convite e o chamei para uma conversa.
Com isso a entrevista nunca aconteceu. Era início de novembro de 2003 e marcamos uma reunião para dali alguns dias.

Paulo Pelicano na Art Haus TV:

Paulo Pelicano era portador do Mal de Parkinson e tratava constantemente deste tema em sua newsletter. Ao tomar conhecimento disso, elaborei uma proposta na qual a Art Haus cederia um dia de sua grade para um programa a ser produzido pelo Paulo. O que ele arrecadasse em patrocínio seria integralmente dele. A Art Haus ganharia em divulgação da marca (por mais que naquela época precisássemos muito de patrocinadores que custeassem nossas despesas).

Foi a proposta que fizemos a ele dia 14 de novembro de 2003. Pela Art Haus a reunião foi feita por mim e pelo Rodrigo. Paulo veio acompanhado do também jornalista Kleber Gutierrez. Na reunião Kleber falou mais do que Paulo. Ambos apresentaram a proposta de um programa que tratasse de comunicação. Propuseram o nome “Ruído Visual”, derivado de conceito “Clutter” proposto por um teórico da área de tecnologia da informação. Ambos teriam como gravar, mas não como editar. Acertamos que a edição seria feita por mim, o único dos 4 que tinha o recurso de edição.

Uns 10 dias depois Paulo trouxe o primeiro material para editar. Montamos a vinheta do programa e a primeira edição do Ruído, a que trata de jornalismo literário. Em primeiro de dezembro de 2003 o Ruído Visual estreou. Aproveitamos a ocasião para mudarmos o nome da tv para “Art Haus TV“.

Em maio de 2004 Paulo trouxe mais 3 propostas para a Art Haus TV, as quais se alternavam nas sextas-feiras: o programa de música Biscoito Raro (com Antônio Franco), o de moda “Com que Roupa eu vou?” e o programa mensal “Dicas Culturais”.

No final de 2004 Paulo se desentendeu com Antonio Franco e com Kleber Gutierrez. Como consequência encerrou os programas que mantinham até então. Antonio e Kleber, com outros dois parceiros, criaram o programa cultural Kizumba em 2005. Paulo, em carreira solo, criou o programa de entrevistas baseado em jornalismo literário REM – Movimento Rápido dos Olhos.

Na Ultra TV:

Em junho de 2005 os sócios da Art Haus se desentenderam. Houve uma situação de quebra de confiança de um dos sócios, a qual foi compartilhada com os clientes e nossos parceiros de conteúdo da época, e a empresa ficou entre ser assumida pelo Rodrigo ou por mim.

Acertamos que eu assumiria a empresa a partir de então. Optei por conversar com cada parceiro da empresa e foi ai que a verdade veio à tona. Havia decidido que precisava mudar o nome da empresa e da TV, pois Art Haus era de difícil pronúncia e memorização. Acabei criando o nome “Ultra TV”, que foi a sucessora da Art Haus a partir de 01/07/2005. O mesmo valeu para o Portal Art Haus, que recebeu o nome de Ultra Portal.

Dos parceiros da empresa o Paulo foi o último com quem conversei, quase no final daquele mês. Conversamos no UniA – faculdade na qual eu trabalhava, no fim de junho de 2005. De cara ele não gostou do nome, mas topou o desafio.
Paulo manteve na Ultra TV o programa REM, o qual havia iniciado em fevereiro de 2005. O programa durou até o final do ano seguinte.

Em 2006 acertamos que a Ultra teria um estúdio, preferencialmente na região do ABC (Paulo morava e eu trabalhava na região). Em agosto alugamos um escritório em São Caetano do Sul. Por motivos de segurança, mudamos para um escritório em Santo André em novembro do mesmo ano.

Paulo assumiu a produção dos programas da Ultra e a prospecção de novos clientes.

Nosso afastamento e reconciliação.

O parkinson avançava e o tratamento o debilitava cada vez mais. O momento pessoal do Paulo não era favorável e os remédios começaram a prejudicar o convívio em sociedade.

Nosso afastamento se deu por isso. Precisei afastá-lo do dia a dia do escritório em agosto de 2007, numa das conversas mais difíceis que tive na vida. Ele se afastou da Ultra e alternou entre momentos de bondade e de agressividade. No final do mesmo ano a irmã dele me procurou, pois eu tinha contato com conhecidos do Paulo que poderiam ajudá-lo em seu tratamento. Acertei com ela que o ajudaria a distância, sem aparecer.
E assim o fiz. Enquanto ele me ameaçava, a irmã dele e eu procurávamos ajudá-lo.

Sei que ele ficou muito chateado comigo quando a TV completou 5 anos, em 2008, e não o chamei para gravar seu depoimento. Seus programas foram ilustrados por depoimentos do Antônio e do Kleber numa série que produzimos para contar a história do canal.

No final de 2008 eu estava indo para o UniA quando um dos coordenadores com quem trabalhava me ligou: Paulo estava no Campus me esperando. Tentaram despistá-lo, mas ele retornou quando eu já havia chego. Pedi para um segurança ficar próximo, mas não era preciso.
Paulo queria se reconciliar. Ele estava bem e sereno. Era meu amigo de volta, que veio pedir desculpas e propor retornarmos a amizade. Conversamos brevemente, sem saber que seria nosso último encontro.
O perdoei, nos abraçamos e acertamos que conversaríamos no início de 2009, quando eu retornasse de férias e de um compromisso pessoal.
Não deu tempo.

Homenagem a um amigo que partiu

Estava em viagem em fevereiro de 2009 quando soube que ele havia desaparecido.
Na volta de viagem liguei para a irmã dele, que me confirmou: seu corpo havia sido encontrado.
Meu amigo se foi. Deu tempo de ir ao enterro e me despedir de alguém que me ensinou tanto.

Em junho do mesmo ano produzi um especial sobre o Paulo Pelicano. Era o primeiro passo para um documentário que pretendia produzir, mas que até hoje (ainda) não consegui tirar do papel. O especial tem depoimentos meu e do Antônio Franco. O Kleber na época estava ainda muito abalado e não conseguiu gravar.

Sem saber essa foi a última produção da Art Haus TV. Em agosto, por questões pessoais entre os sócios, a TV e o Portal foram tirados do ar. Em setembro voltou com o nome “Rede Ultra”, o qual permaneceu até o fim de 2010 até ser extinto.

Despedida ao amigo

No dia do seu enterro, publiquei no Ultra Portal o artigo “O adeus a um amigo”:

“O que torna uma pessoa um amigo? São gestos? Palavras? Cuidados?
Talvez tudo isso. Talvez muito mais coisas.

E quando um amigo deixa de ser amigo? É possível isso acontecer?

Acredito que não. Mesmo quando um amigo nos desagrada, faz algo que nos chateie e isso cause um afastamento, a amizade muda, mas não acaba.

Nem a morte acaba com uma amizade.

Nosso amigo Paulo Pelicano se foi. Nos conhecemos em 2003, quando ofereci a ele um programa na então Art Haus TV (atual Ultra TV). Em dezembro daquele ano ele criou, com o Kleber Gutierrez, o programa Ruido Visual. Depois veio o Biscoito Raro (com Antonio Franco), Dicas Culturais, com que roupa eu vou e REM. Desses, apenas o REM sobreviveu a implantação da Ultra TV.

Esteve conosco na transição de Art Haus para Ultra. De cara não gostou do novo nome, mas logo a adotou como filha. Produziu programas memoráveis, foi um ativo e intenso colaborador.

Problemas pessoais o levaram a crises… E essas crises abalaram nossa amizade. Se afastou da Ultra em Agosto de 2007. Desde então alternou momentos de bondades e tormentas, nas quais nossa amizade quase acabou.

Homem culto, de boa educação. Tinha um humor ácido e ao mesmo tempo fino. Sofria de Parkinson e nos últimos anos, de crises de temperamento.

Desde Dezembro de 2007 eu mantive contato com Sônia, sua irmã. Sônia passou por verdadeiras provações. Vivenciou momentos inenarráveis e se mostrou uma grande mulher. Fez o possível e o impossível para oferecer dignidade a vida do irmão.

Através da Sônia, eu o ajudei. Provavelmente ele nem sabia. Percebi que era a única forma de ajudá-lo sem que ele se revoltasse ou se acomodasse. Naquele momento acreditei que meu papel de amigo era de permanecer a distância. Fazer o que fosse preciso e possível, para que ele percebesse que só assim ele poderia lutar pelos seus ideais e objetivos.

Sua horá chegou. Descanse em paz amigo. A paz que você não conseguiu em vida, mas que tanto lutou por ela.

Daqui nós rezaremos por você. E guardaremos para sempre as boas lembranças de nossa convivência”.

Dois meses depois, por ocasião da missa de 2 meses de seu falecimento, o Ultra Portal publicou:

“A missa de dois meses pelo falecimento do jornalista Paulo Pelicano (ex-editor e produtor da Ultra TV) será realizada no próximo dia 30 de Abril, às 19hs, na Igreja de Nossa Senhora da Assunção (Rua Cristiano Angeli 300- Bairro Assunção-São Bernardo do Campo/SP).

O corpo do jornalista foi encontrado no Riacho Grande no último dia 8 de Fevereiro. No entanto o jornalista estava desaparecido desde o dia 30 de Janeiro de 2009.

Paulo Pelicano tinha 56 anos. Jornalista há mais de 30 anos, teve uma sólida carreira na área de assessoria de imprensa.

No final da década de 90, com o advento da Internet, criou o boletim Comunicadores, o qual editou até 2006. O Comunicadores pode ser considerado um dos primeiro blogs brasileiros, pois registrava as análises de Paulo quanto ao mercado e a profissão de jornalismo nos dias atuais.

Fez parte da Art Haus TV (atual Ultra TV) a partir de Novembro de 2003. Ao lado do jornalista Kleber Gutierrez, criou naquele ano o programa de jornalismo literário Ruído Visual . Em 2004 associou-se também à Antonio Franco, com quem criou o programa musical “Biscoito Raro”. No mesmo ano encabeçou a produção solo “Dicas Culturais”, definida por ele como um mapa cultural da produção paulista daquele ano.

Em 2005 concentrou-se suas produções no solo “REM – Movimentos Rápidos dos Olhos”, que durou até meados de 2006. Entusiasta da corrente jornalística intitulada “Jornalismo Literário”, Paulo Pelicano utilizou-se das técnicas neste novo programa, o qual evitava ao máximo aparecer.

Com o surgimento da Ultra TV, em 2005, associou-se a Fernando Mariano (diretor da Ultra e editor de seus programas) para a criação e desenvolvimento de novos projetos. Chegou ao cargo de Diretor de Novos Negócios da Ultra no final de 2006, permanecendo no mesmo até agosto de 2007.

Portador de Mal de Parkinson, reflexos da doenças e problemas de ordem sentimental levaram-o ao afastamento da Ultra. Passou por um período crítico de depressão entre 2007 e 2008, mas encontrava-se recuperado e desenvolvendo novos projetos.

Sua morte, (…), encerrou uma brilhante carreira jornalística. Carreira ao qual tinha muito orgulho, mesmo considerando os defeitos da profissão.

Neste processo de depressão, contou com o apoio de amigos, de forma presente ou à distância (como foi o caso dos profissionais da Ultra). A ponte neste processo foi sua irmã, Sônia Pelicano, que enfrentou diversas dificuldades em prol de um dia a dia melhor ao irmão.

Emocionada com a repercussão da morte, na qual diversos amigos , inclusive muitos que estavam há tempos distantes, ajudaram-a a pagar o sepultamento de Paulo Pelicano, Sônia pediu ao Ultra Portal e Tv que transmita a eles, de público, seus mais sinceros agradecimentos.

E nós, do Ultra Portal e Tv, dentre as poucas possibilidades que nos restam hoje, colocamos sempre nossas orações e intenções para que a alma do Paulo descanse em paz. E em nossas orações, o desejo de Justiça é sempre marcante, para que não haja impunidade em mais este caso.”

Paulo foi de uma geração anterior à minha e me ensinou muito. O tenho como um irmão mais velho.

Relembrar o Paulo neste espaço é uma forma de eternizar minha gratidão a ele.

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