Os bastidores do jornalismo são o tema central do décimo episódio do programa Ruído Visual, idealizado pelos jornalistas Paulo Pelicano e Kleber Gutierrez, que mergulha no universo muitas vezes invisível da imprensa em eventos e feiras. O episódio, gravado com simplicidade e sensibilidade, dá voz a jornalistas e assessores de imprensa que compartilham suas experiências de bastidores, expondo os desafios enfrentados em um cenário cada vez mais precarizado.
Desde a ausência de estrutura básica em salas de imprensa até o ritmo acelerado da produção jornalística, o episódio retrata o cotidiano de profissionais que lutam para cumprir suas pautas, muitas vezes em ambientes pouco acolhedores. Água quente, café frio e falta de alimentos são apenas detalhes de um problema maior: a subvalorização da comunicação nos bastidores de grandes eventos.
Além disso, o episódio traz uma reflexão sobre o papel das assessorias, que passaram a assumir funções cada vez mais estratégicas diante da redução de equipes nas redações. Essa dinâmica revela uma transformação silenciosa no mercado da comunicação, onde os limites entre informar e produzir conteúdo institucional tornam-se cada vez mais tênues.
O episódio e seu retrato crítico da profissão e dos bastidores do jornalismo.
Gravado em estilo espontâneo, com câmera VHS-C e sem roteiro livre de amarras, Ruído Visual #10 registra depoimentos sinceros e, muitas vezes, emocionados, dos bastidores do jornalismo. Os entrevistados não apenas comentam suas rotinas, mas refletem sobre os impactos da globalização, da internet e da crise econômica no mercado da comunicação.
Uma das falas mais marcantes aponta que a assessoria de imprensa se tornou mais difícil do que há 10 ou 15 anos (atualizando para os dias de hoje, o correto seria dizer “mais difícil do que há 20 ou 25 anos”). Isso se deve à diminuição dos espaços na mídia tradicional, à pressão por resultados rápidos e à exigência por conteúdos já prontos. Tal cenário levou muitos jornalistas a questionarem se a terceirização de pautas para assessorias não estaria contribuindo para a perda de protagonismo das redações.
O episódio também propõe uma metáfora interessante: a existência de uma “porta” entre dois mundos — o dos jornalistas de redação e o dos assessores. Alguns acreditam que se trata apenas de papéis diferentes dentro do mesmo ecossistema, enquanto outros sentem que há, de fato, uma barreira simbólica que separa e, por vezes, confronta essas duas funções essenciais para o fluxo da informação.
Apesar do tom crítico, o episódio termina de forma leve, com reencontros entre colegas de profissão, risadas e reflexões sobre o amor (e a frustração) pela área da comunicação. É uma homenagem à resiliência de quem faz do jornalismo uma missão, mesmo diante de obstáculos diários.
Episódio 10 - 14 de Março de 2004. Fonte: Canal RedeUltra (Canal de acervo mantido pela TeleObjetiva).
Ruído Visual: uma memória resgatada pela TeleObjetiva
Criado em dezembro de 2003 por Paulo Pelicano (1952–2009) e Kleber Gutierrez, Ruído Visual nasceu com o objetivo de discutir a comunicação de forma livre e profunda, ancorado no estilo do jornalismo literário. Inspirado na máxima “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o programa registrava conversas espontâneas, sem pauta pré-combinada, mas com muita escuta e sensibilidade.
Durante pouco mais de um ano, o programa trouxe à tona temas relevantes como jornalismo literário, assessoria de imprensa, cultura e música, tornando-se um espaço raro de reflexão audiovisual sobre a prática jornalística. A produção simples escondia a profundidade dos diálogos e a riqueza das observações sobre um campo em constante transformação. Podemos dizer que o Ruído foi uma câmera que registrou os bastidores do jornalismo e da comunicação naquele início dos anos 2000.
A partir de dezembro de 2024 até fevereiro de 2025, a TeleObjetiva promove o resgate das edições originais do programa Ruído Visual, preservando a memória e a contribuição singular deixada por Paulo Pelicano e sua equipe. Ao reexibir episódios como o #10, a plataforma convida novas gerações de comunicadores a revisitar debates que permanecem atuais — e que ajudam a entender os dilemas da comunicação no Brasil contemporâneo.
Essa iniciativa é também uma homenagem à trajetória de Paulo Pelicano, um jornalista que, mesmo enfrentando limitações físicas causadas pelo Parkinson, seguiu contribuindo para o pensamento crítico na comunicação até seus últimos dias.
Considerações finais
O episódio #10 do Ruído Visual transcende o formato de entrevista para se tornar um documento histórico da realidade enfrentada por jornalistas e assessores de imprensa no início dos anos 2000. Seu resgate pela TeleObjetiva reforça a importância de olhar para o passado da comunicação para entender os desafios do presente.
Mais do que um retrato de bastidores, o vídeo é um convite à empatia e à valorização de quem sustenta o jornalismo mesmo nas condições mais adversas. Em tempos de sobrecarga informacional e redução das redações, revisitar esse tipo de conteúdo é essencial para repensar os rumos da profissão.
Professor universitário desde 2005, é mestre em comunicação e especialista em criação visual e multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Atualmente dirige a TeleObjetiva e coordena os cursos de Rádio, TV e Internet; Produção Audiovisual e Fotografia da FAPCOM, além da comissão própria de avaliação (CPA) da instituição.