Samba no Biscoito Raro: tradição e resistência

Samba no Biscoito Raro: tradição e resistência

Nesta sexta edição da série Biscoito Raro, mergulhamos no universo vibrante e plural do samba, gênero que representa um dos pilares da identidade cultural brasileira. O episódio, originalmente exibido pela Art Haus TV em 2004, apresenta uma roda de conversa com músicos do gênero, intercalada com uma performance ao vivo e depoimentos emocionados sobre a trajetória desse estilo musical. O evento era chamado “Samba de primeira na segunda”, pois ocorria toda segunda-feira.

Gravado em um ambiente intimista e acolhedor, o vídeo mostra um encontro entre artistas no restaurante conhecido como Sapori di Rosi (restaurante que existiu no térreo do edifício Copan), um reduto cultural que funcionou como ponto de encontro de sambistas e amantes do ritmo. Entre conversas sobre origens, influências, transformações e desafios deste gênero musical, o programa oferece um retrato autêntico de um Brasil que canta, resiste e se reinventa através da música.

Samba como identidade coletiva e resistência cultural

Logo no início da entrevista, os músicos enfatizam o caráter agregador do samba. Mesmo em meio à rivalidade tradicional entre escolas de samba, especialmente no carnaval, a paixão pelo ritmo se sobrepõe às diferenças. O gênero musical, nesse sentido, é mais do que uma manifestação artística — é um território simbólico de união e pertencimento.

Os músicos discutem também a evolução do gênero, destacando como o samba-canção e o partido alto deram origem ao que, nos anos 1980, passou a ser chamado de pagode. Essa transição não é apenas estilística, mas também social: o pagode surgiu das periferias urbanas, incorporando novas linguagens e instrumentos como o banjo e o repique de mão, popularizados pelo grupo Fundo de Quintal, apontado como uma das maiores referências do gênero.

A entrevista traz ainda uma reflexão interessante sobre a diferença entre o samba paulista e o samba carioca. Embora os músicos reconheçam que há características distintas entre os dois, rejeitam a ideia de uma rivalidade cultural. Para eles, essa divisão é alimentada por bairrismo, e não por diferenças estruturais. Nomes como Geraldo Filme e Adoniran Barbosa são lembrados como ícones do samba de São Paulo, enquanto a herança carioca é respeitada e celebrada como parte da história comum do gênero.

Outro ponto de destaque é a crítica à crise de qualidade que o gênero enfrentou em determinados momentos. Os entrevistados apontam uma perda de densidade nas letras e melodias, marcada por um esvaziamento do conteúdo poético e musical. Apesar disso, afirmam que a essência do samba sobrevive — especialmente graças à fidelidade do povo, que continua a frequentar rodas, bares e eventos em que o samba pulsa com autenticidade.

Ao falarem sobre seus inícios na música, os artistas compartilham memórias afetivas de infância, em geral marcadas por famílias musicais e vivências comunitárias. O samba aparece como uma herança transmitida por gerações, mais aprendida pela convivência do que pelos métodos formais.

Samba de Primeira na Segunda - Biscoito Raro Ep. 6

Samba, pagode e a tensão entre tradição e mercado

O samba é, antes de tudo, uma manifestação de raiz popular. Surgido da fusão entre tradições africanas e influências europeias, ele se consolidou no Brasil como forma de expressão coletiva, especialmente entre as camadas sociais marginalizadas.

A entrevista do Biscoito Raro traz à tona a tensão entre tradição e mercado. O pagode dos anos 1990, embora responsável por popularizar o samba entre públicos mais amplos, também foi acusado por parte da crítica e por músicos tradicionais de ter diluído a profundidade poética e musical do gênero. Isso gerou uma espécie de “divisão interna” entre sambistas mais conservadores e aqueles voltados ao mercado fonográfico.

Ainda assim, muitos artistas reconhecem o valor do pagode como uma porta de entrada para novas gerações, e como uma evolução natural do samba, que sempre esteve em movimento. O importante, como afirmam os músicos entrevistados, é que o samba não perca sua alma, que reside na roda, na cadência, na vivência cotidiana e na força das palavras cantadas.

Um ponto particularmente relevante é a crítica ao papel da mídia, acusada de marginalizar o samba e favorecer gêneros mais comerciais. Segundo os entrevistados, o samba persiste não pela indústria, mas pela força do povo — que mantém viva a tradição nas rodas de bairro, nos ensaios de escola e nos encontros informais.

O espaço “Sapori di Rosi”, onde o episódio foi gravado, representa exatamente isso: um ponto de resistência cultural, onde músicos e público se encontram para celebrar o samba como uma prática coletiva. É nesses espaços que o samba se mantém vivo, mesmo quando fora dos holofotes.

O Biscoito Raro e a missão de preservar o samba autêntico

Biscoito Raro foi mais do que um programa de entrevistas: foi uma plataforma de visibilidade para artistas e expressões culturais pouco representadas na grande mídia. Produzido por Paulo Pelicano (1952–2009) e Antonio Franco, o programa foi exibido entre maio e dezembro de 2004 pela então Art Haus TV, e hoje é parte do acervo da produtora TeleObjetiva, que realiza o trabalho de recuperação e disponibilização desses registros históricos.

A proposta do Biscoito Raro era clara: revelar ao público o que há de mais autêntico, criativo e representativo na cultura brasileira. Ao dar espaço para sambistas, compositores e músicos populares, o programa antecipou discussões que hoje são centrais no campo da comunicação e da cultura, como a necessidade de descentralizar a produção audiovisual e valorizar narrativas periféricas.

A recuperação desse conteúdo faz parte de um esforço maior da TeleObjetiva para preservar e tornar acessível a memória da produção cultural brasileira independente. Cada episódio disponibilizado é uma contribuição para que novas gerações possam conhecer artistas, sons, ideias e histórias que compõem o vasto mosaico da cultura nacional.

Este episódio sobre o samba é um exemplo brilhante disso. Ele não apenas documenta um momento de encontro entre músicos — ele registra uma maneira de viver a música como pertencimento, como linguagem e como resistência.

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