No ar entre dezembro de 2003 e dezembro de 2004, Ruído Visual foi uma proposta inovadora de programa independente que abordava a comunicação sob múltiplas perspectivas — estética, filosófica, cultural e até mesmo espiritual. Criado pelos jornalistas Paulo Pelicano (1952–2009) e Kleber Gutierrez, o projeto fez história ao ser produzido com os recursos disponíveis da época: uma câmera VHS-C e nenhuma pauta pré-combinada com os entrevistados. Inspirado pela máxima “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o programa fundiu as linguagens do jornalismo literário com elementos visuais e sonoros, desafiando os limites do audiovisual convencional.
O episódio “Ruído Visual 15 – A Arte de Comunicar-se – Ruído Visual em Retrospectiva” serve como uma síntese poética dos 11 primeiros programas*. É uma colagem de experiências e vozes, um fluxo narrativo que busca capturar a essência da comunicação como um fenômeno vivo e presente em todos os aspectos do cotidiano. O programa foi exibido originalmente pela Art Haus TV, embrião da futura Ultra TV, e retornou à cena por meio de uma iniciativa de resgate promovida pela TeleObjetiva.
Fragmentos de um episódio que pensa e sente a comunicação
A edição de número 15 de Ruído Visual se destaca por sua estrutura não-linear e livre, algo entre o documentário e a videoarte. Ela revisita temas centrais da série por meio de entrevistas, performances, citações filosóficas e cenas do cotidiano urbano e rural.
Entre os destaques estão trechos da exposição “Estrelas da Humanidade”, que homenageia figuras como Gandhi, Buda, John Lennon e São Francisco por meio de ambientes decorativos que refletem suas mensagens. Essa sequência se une a outras em que moradores comuns refletem sobre a vida em suas cidades, como em Itu e Brotas, ou compartilham experiências espirituais e práticas de cuidado com a natureza.
Um dos eixos mais intrigantes do episódio é a relação entre comunicação interna e saúde emocional, baseada na ideia de que doenças físicas podem ser manifestações de conflitos mentais ou emocionais mal resolvidos. Essa abordagem ressoa com reflexões metafísicas e espirituais, apresentando a comunicação como um processo também interno e transformador.
O programa também celebra a diversidade cultural brasileira, com destaque para o bloco afro “Ori Axé”, cuja simbologia envolve a força da mente coletiva e a ancestralidade. Há ainda espaço para momentos espontâneos, como um mecânico ajudando a equipe de gravação ou a declamação de poemas de Guilherme de Almeida. Toda essa variedade reforça a proposta de fazer do vídeo um espaço de escuta e expressão múltipla.
Um projeto experimental e seu resgate pela TeleObjetiva
Ruído Visual nasceu da união de dois profissionais inquietos e apaixonados pela linguagem: Kleber Gutierrez e Paulo Pelicano (1952-2009). A proposta apresentada à Art Haus TV em novembro de 2003 se transformou rapidamente em um dos programas mais marcantes da emissora. O título derivou do termo da tecnologia da informação “clutter”, traduzido livremente como “ruído visual”, para indicar excesso de estímulos visuais que atrapalham a compreensão.
A abordagem adotada no programa segue a tradição do jornalismo literário, estilo que privilegia a profundidade, a sensibilidade narrativa e o olhar subjetivo, em oposição ao factualismo típico das mídias convencionais. Cada edição abordava um tema diferente, tratado com liberdade estética, escuta ativa e intervenções poéticas.
O legado de Ruído Visual está sendo recuperado atualmente pela TeleObjetiva, que realiza, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, um projeto especial de resgate e publicação das edições originais. Esse esforço de preservação não é apenas técnico, mas também simbólico, pois visa trazer à tona reflexões sobre o que é comunicar em uma sociedade saturada de informações, mas carente de escuta verdadeira.
A revalorização desse acervo é também uma homenagem à trajetória de Paulo Pelicano, cuja atuação como jornalista e pensador da comunicação deixou marcas profundas em quem com ele conviveu e trabalhou. Seu comprometimento com uma comunicação ética, sensível e plural vive em cada quadro, cada cena, cada pensamento compartilhado em Ruído Visual.
Ao revisitar este episódio e tantos outros que compõem a série, o público de hoje pode redescobrir um projeto que continua atual e necessário, porque propõe algo raro: comunicar com arte, com alma, com afeto.
Ruído Visual 15 - 1o semestre de 2004. Fonte: Canal RedeUltra (Canal de acervo mantido pela TeleObjetiva).
* durante a etapa de pesquisa para a publicação desta série, nos deparamos com alguns desafios. A edição 15, presente neste artigo, apresentou uma falha de áudio no material original. Como é uma retrospectiva de outras edições já publicadas aqui, optamos por manter como o original. Também não foi localizado, por ora, o final do episódio.
Localizamos também algumas datas de finalização da edição de cada episódio. Calculamos o dia da exibição original a partir desta data.
Por ora também não localizamos os programas #12, #13 e um provável #17 (talvez até um 18, 19 e 20). E do episódio #16, encontramos apenas o começo do episódio.
Em uma segunda etapa de recuperação do acervo, iremos concluir a transferência do material que está em DVD. Esperamos neste processo encontrar os programas perdidos. Assim sendo, por enquanto, concluímos a postagem dos episódios do Ruído visual com o episódio 15 – Retrospectiva da primeira temporada.
Professor universitário desde 2005, é mestre em comunicação e especialista em criação visual e multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Atualmente dirige a TeleObjetiva e coordena os cursos de Rádio, TV e Internet; Produção Audiovisual e Fotografia da FAPCOM, além da comissão própria de avaliação (CPA) da instituição.