Nesta semana, o Brasil perdeu Arthur Moreira Lima, um dos grandes pianistas do país, que marcou a cena cultural do país tanto por seu virtuosismo ao piano quanto por seu compromisso com a democratização da música clássica.
Nascido no Rio de Janeiro em 16 de julho de 1940, Moreira Lima demonstrou talento desde cedo, participou de seu primeiro concerto aos 8 anos com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Sua formação incluiu estudos sob a tutela de renomados professores, incluindo Lúcia Branco no Brasil, Marguerite Long em Paris, e Rudolf Kehrer no Conservatório Tchaikovsky em Moscou.
Sua carreira internacional começou a despontar em 1965, quando conquistou o segundo lugar no Concurso Internacional de Piano Frédéric Chopin, em Varsóvia, Polônia, e logo em seguida emplacou outras conquistas, tornando-se uma figura reverenciada internacionalmente por sua habilidade e paixão pela música de compositores românticos, como Chopin, Liszt e Villa-Lobos.
Faleceu em Florianópolis no dia 30 de outubro de 2024, aos 84 anos, vitima de um câncer no intestino.
A influência de Arthur Moreira Lima na música brasileira
Moreira Lima teve um papel essencial na valorização e difusão da música clássica e da música brasileira. Ele gravou obras de Ernesto Nazareth, Villa-Lobos e Radamés Gnatalli, mesclando o erudito ao popular e, assim, criando um estilo próprio que permitiu que o público visse a música clássica e popular como expressões complementares da cultura brasileira. Com isso, ele se tornou um dos pianistas mais respeitados e populares no Brasil e no exterior, recebendo prêmios e aclamações críticas de diferentes partes do mundo. Sua gravação de peças de Chopin, por exemplo, foi eleita pela crítica norte-americana como um dos registros mais importantes do ano, enquanto sua interpretação de composições de Piazzolla recebeu prêmios de revistas europeias e rádios suíças.
O Projeto “Um Piano pela Estrada”
Lançado em 2003, o projeto “Um Piano pela Estrada” foi uma das iniciativas mais inovadoras e impactantes de Moreira Lima. Com uma estrutura que incluía um caminhão adaptado que servia de palco, o projeto levou concertos de piano para mais de 500 municípios em todas as regiões do Brasil, alcançando cerca de um milhão de espectadores, muitos dos quais tiveram seu primeiro contato com a música clássica graças a essa iniciativa. Essa jornada cultural foi marcada por uma logística complexa, envolvendo viagens por estradas e até travessias de rios, como na região do Rio Solimões, onde os equipamentos foram transportados por balsas para levar a música a comunidades isoladas.
O projeto visava democratizar o acesso à música erudita e oferecer um momento de arte para públicos que jamais haviam assistido a um concerto de piano ao vivo. Os concertos, em locais inusitados como canteiros de obras e pequenas praças em cidades do interior, transformavam esses espaços em verdadeiros centros culturais temporários. “Um Piano pela Estrada” alcançou um nível de envolvimento com as comunidades que muitos consideram exemplar e inspirador, uma verdadeira expressão do papel social da arte.
O Legado e o Documentário Sobre Sua Jornada
A trajetória de Moreira Lima e seu compromisso com a popularização da música clássica e brasileira foram documentados em 2018, no filme “Arthur Moreira Lima: Um Piano para Todos”, de Marcelo Mazuras. O documentário destaca a grandiosidade do projeto e a imensa dedicação do artista, que sacrificou muitos momentos pessoais para levar a música a milhares de pessoas. O filme expõe momentos emocionantes da jornada, mostrando a reação do público e a luta para superar as barreiras físicas e logísticas.
No documentário, Moreira Lima descreve seu esforço como uma “missão humanística” e explica o sentido profundo do projeto, comparando a experiência de seus concertos a uma “missa campal”, em que a música assume um papel transcendental para o público. Além do aspecto artístico, o projeto trouxe também um impacto social através da iniciativa paralela “Um Sorriso pela Estrada”, coordenada por sua esposa, Margareth Garret, e sua filha, Graziela, que ofereciam atendimentos odontológicos gratuitos nas mesmas localidades dos concertos.
A Importância de Arthur Moreira Lima para a Cultura Brasileira.
Arthur Moreira Lima deixou um legado profundo para a cultura brasileira, tanto no âmbito erudito quanto no popular. Seu trabalho com “Um Piano pela Estrada” marcou um novo patamar de compromisso social por meio da arte e inspirou novas gerações a verem a música como uma força inclusiva e transformadora. Ao mesmo tempo, suas gravações e apresentações ajudaram a consolidar o piano como um símbolo da riqueza e da diversidade cultural do Brasil, rompendo as barreiras elitistas que costumam acompanhar a música clássica.
Moreira Lima demonstrou como é possível levar cultura às massas sem comprometer a qualidade artística, uma abordagem que trouxe reconhecimento e gratidão de públicos de diferentes partes do país. Com seu falecimento em 2024, o Brasil perde não apenas um dos seus maiores intérpretes de piano, mas um verdadeiro missionário da arte e um defensor incansável do acesso à cultura para todos os cidadãos.
A participação de Arthur Moreira Lima no programa “Biscoito Raro”
O “Biscoito Raro” foi um programa produzido por Antônio Franco e Paulo Pelicano (1952-2009) em 2004 para a Art Haus TV. Trazia a cada episódio uma entrevista e trechos de apresentações de importantes músicos, conhecidos ou não pelo grande público.
Arthur Moreira Lima foi o primeiro entrevistado do programa. Paulo e Antônio ainda estavam definindo um perfil para a condução do programa quando surgiu a oportunidade de gravar com o pianista.
A dupla gravou a entrevista em um hotel e acompanhou uma apresentação de Arthur na zona norte de São Paulo. O programa foi gravado em abril e editado por mim e pelo Paulo em maio de 2004, mesmo mês da estreia do programa.
Biscoito Raro — Episódio 1 - Arthur Moreira Lima.
O que me marcou durante o processo de edição foi a simplicidade de Arthur, alguém tão renomado e reconhecido no Brasil e no exterior, e que conversou com Antônio e com Paulo como se fossem velhos conhecidos. E me emocionei quando ele reconheceu que nós, naquela altura e com parcos recursos (gravávamos os programas com apenas uma câmera, sem equipamento de luz ou microfone), estávamos fazendo a televisão do futuro por estarmos produzindo para a Internet.
Arthur é eterno, e deixou um bonito exemplo de vida e de dedicação à música e ao próximo.
Professor universitário desde 2005, é mestre em comunicação e especialista em criação visual e multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Atualmente dirige a TeleObjetiva e coordena os cursos de Rádio, TV e Internet; Produção Audiovisual e Fotografia da FAPCOM, além da comissão própria de avaliação (CPA) da instituição.