A publicidade e os programas de televenda na TV brasileira

A publicidade e os programas de televenda na TV brasileira

O termo programas de televenda resume com precisão o conteúdo abordado nesta análise, que investiga o papel e a evolução desse formato dentro do ecossistema da televisão brasileira. Da simples propaganda lida ao vivo nos anos 1950 aos canais dedicados exclusivamente à venda de produtos, os programas de televenda são um exemplo de como a televisão incorporou estratégias de marketing direto para manter-se economicamente viável e dialogar com o comportamento de consumo de seus espectadores.

A história da publicidade na televisão brasileira

A televisão brasileira nasceu comercial desde sua primeira transmissão. Em 1950, a TV Tupi estreava em São Paulo e já levava ao ar anúncios pagos, muitas vezes feitos ao vivo pelos próprios apresentadores. Inclusive, foram esses anúncios que viabilizaram a implantação da emissora. Era uma adaptação direta do rádio, meio em que a propaganda já era dominante e que veiculava publicidade desde a década de 1930.

Os anos de ouro da publicidade na TV

A partir dos anos 1970, com a consolidação da Rede Globo como principal veículo de massa do país, a publicidade televisiva atingiu alto grau de sofisticação. Campanhas icônicas marcaram época, utilizando jingles, humor, celebridades e roteiros cinematográficos. As marcas passaram a produzir comerciais com alta qualidade técnica, e os anunciantes encontraram na televisão o espaço ideal para campanhas de alcance nacional.

Com o tempo, a publicidade convencional (em blocos comerciais) passou a dividir espaço com formas alternativas de propaganda: merchandising, product placement (“colocação de produto nas cenas ou cenários”) e os chamados programas de televenda.

A ascensão dos programas de televenda

O que são programas de televenda?

Programas de televenda são formatos híbridos entre propaganda e a informação, voltados à promoção direta de produtos e serviços. Seu objetivo é claro: vender. Apresentadores demonstram produtos, informam preços, condições de pagamento e incentivam a compra por telefone ou site. São, em essência, infomerciais com estética de programa jornalistico, de auditório, culinária ou entrevista.

Origens e modelos inspiradores

Os programas de televenda chegaram ao Brasil no final dos anos 1980 e se popularizaram na década de 1990. Com a fragmentação da audiência e o surgimento de novos canais, emissoras médias e pequenas passaram a abrir espaço (ou vender horários) para esse tipo de conteúdo.

Um dos marcos desse modelo no Brasil foi o programa Shop Tour, criado por Luiz Antonio Galebe em 1987. Com uma estética própria e linguagem objetiva, o programa consistia em visitas a lojas e comércios, com apresentação dos produtos in loco, aparentemente sem roteiro, em estilo plano-sequência. Sua estética peculiar – apresentador ao lado do lojista, narração em off enquanto a câmera mostrava o produto ou a empresa, letreiros com informações detalhadas e eventualmente música ambiente – virou referência.

Casos emblemáticos: Shop Tour, Liquida Mix e Canal News

Shop Tour

Exibido por diversos canais, como a Record, a Band, CBI (ex-TV Jovem Pan, canal 16-SP) e até em sinal próprio (canal 46-SP), o Shop Tour representou uma forma econômica e eficiente de conectar lojistas a consumidores. Tornou-se uma referência cultural e chegou a ser parodiado em programas de humor.

Cada matéria (anuncio), tinha uma duração fixa e era apresentada por um ou uma repórter que trajava o terno do programa. A função do repórter era entrevistar o lojista e informar sobre o produto ou sobre o serviço que estavam sendo oferecidos.

Exemplo do programa Shop Tour veiculados em 1996.
Vídeo comemorativo aos 20 anos de Shop Tour - publicado no YouTube em 08/02/2010, logo após o programa completar 22 anos.

Liquida Mix

Veiculado entre 1999 e 2004 na TV Gazeta de São Paulo, o Liquida Mix foi um programa de televendas com maior apelo visual e apresentadores caracterizados, como Ana Paula Anzelotti e Kadu Fabretti. Visitava lojas e mantinha um ritmo acelerado de exibição. Foi considerado, por muitos lojistas da época, uma forma eficaz de aumentar as vendas a curto prazo. O programa enfrentou concorrência do Shop Tour e de outros programas similares, evidenciando como o formato se tornara objeto de disputa e modelo de negócios.

Trabalhei no programa em 2001, na edição e operação de caracteres. As matérias deveriam ter no máximo 1 minuto e 40 segundos e um ponto que eu achava interessante no programa era a presença de quadros informativos no interior dos blocos.

Como o programa era exibido nas madrugadas e manhãs da Gazeta, o conteúdo era estruturado em pelo menos 8 blocos de programa (A,B,C…H), de meia hora cada. Os blocos eram atualizados na madrugada de quinta-feira, e a Gazeta exibia a cada dia uma sequência diferente dos blocos. Assim, quem assistisse todo dia no mesmo horário, assistiria sempre um conteúdo novo.

Liquida Mix - matérias editadas por mim entre dezembro de 2001/janeiro de 2002 (acervo pessoal).

Canal News

Pouco documentado, o programa Canal News foi exibido pela TV Meio Norte de Teresina (atual Rede Meio) em 2003, também no gênero de televendas. Um diferencial do programa em relação aos demais estava em sua estrutura. O programa não tinha repórteres. Os anúncios eram apresentados em estúdio, por diferentes apresentadoras, que liam as informações dos anúncios enquanto as imagens das empresas e produtos eram mostradas. O programa usava então o recurso de nota coberta para apresentar os anúncios, adotando assim um formato diferente em relação ao Shop Tour e ao Liquida Mix.

Programa Canal News - TV Meio Norte - 2003

Televendas e o modelo de negócios das emissoras

Os programas de televenda ajudaram a sustentar financeiramente diversas emissoras brasileiras, sobretudo as de menor audiência e alcance regional. Ao vender faixas de horário para lojistas ou para empresas de produção publicitária, essas emissoras criaram um modelo de monetização alternativo à publicidade tradicional.

Canais como Rede Brasil, RIT, RBTV, Rede Família e a própria RedeTV! mantiveram ou ainda mantêm longas faixas de programação ocupadas por televendas, especialmente em horários de madrugada ou manhãs de dias úteis.

As televendas no ambiente digital

Com a digitalização e a fragmentação da audiência, os programas de televenda migraram também para plataformas online. Lives de vendas no Instagram, TikTok e YouTube reproduzem a lógica dos infomerciais: apresentação de produtos, descontos temporários, interação com o público em tempo real.

Empresas como Polishop e Shoptime, pioneiras na televisão, adotaram outro formato de programas de televenda e adaptaram-se ao e-commerce e às redes sociais, mantendo seu papel no consumo midiático contemporâneo.

O modelo do Shop Tour, por exemplo, inspirou novos formatos em vídeo: tours por lojas no YouTube, reviews de produtos e vídeos de comparação entre marcas. O conteúdo visual e explicativo permanece, mas agora em ritmo mais rápido e com maior apelo visual.

A reinvenção dos programas de televenda e seu futuro na televisão brasileira

Os programas de televenda fizeram parte de uma importante etapa da televisão brasileira, revelando-se uma alternativa criativa e rentável para emissoras e lojistas. Mais do que simplesmente vender produtos, esses programas moldaram uma estética própria, influenciaram o comportamento de consumo e serviram como porta de entrada para pequenos empreendedores na mídia.

Mesmo que hoje estejam em declínio nas grades tradicionais, continuam influentes no ambiente digital e híbrido. A lógica de mostrar, explicar e persuadir continua viva em vídeos de unboxing, influenciadores digitais e lives de vendas.

A televisão, como meio de massa, evolui constantemente. Mas os princípios da venda direta ao consumidor, apresentados de forma visual, seguem fundamentais. Os programas de televenda, nesse contexto, permanecem como um capítulo relevante da história da mídia brasileira — e talvez, em nova roupagem, ainda sejam parte do seu futuro.

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