Na edição #11 do Ruído Visual, os jornalistas Paolo e Kleber acompanharam o lançamento do filme De Passagem, de Ricardo Elias, revelando bastidores e reflexões sobre juventude, amizade e o retrato da periferia no cinema nacional.
Produzido entre dezembro de 2003 e dezembro de 2004, o programa Ruído Visual revelou múltiplas faces da comunicação por meio de uma abordagem singular: o jornalismo literário. Produzido por Paulo Pelicano e Kleber Gutierrez, o programa foi gravado com uma simples câmera VHS-C, sem pautas pré-definidas, e se tornou uma crônica audiovisual das inquietações e temas culturais de seu tempo.
O cinema de rua e sensibilidade em foco: o filme De Passagem
A 11ª edição do programa Ruído Visual leva os espectadores à Cinemateca Brasileira, onde ocorre o lançamento do filme De Passagem, dirigido por Ricardo Elias. O longa, que conquistou reconhecimento em festivais como o de Gramado, aposta em uma abordagem poética e humanizada para retratar o cotidiano de jovens negros da periferia de São Paulo.
Distante das fórmulas sensacionalistas e da estética de violência urbana muitas vezes associada a esses contextos, o filme opta por uma narrativa sutil. O diretor deixa claro que sua intenção não é moralizar, mas contar uma história de encontros e contrastes — centrada na amizade entre dois jovens que, apesar das diferenças, compartilham uma jornada de autoconhecimento e escolhas morais.
Com planos longos e ritmo cadenciado, o filme contraria o estilo frenético comum em produções urbanas, alinhando-se mais ao neorrealismo europeu. Ricardo Elias cita como referência diretores como Rossellini e Jean Renoir, destacando a intenção de mostrar que, na periferia, há mais do que a exceção da criminalidade: há vida, sonhos e vínculos afetivos.
Bastidores com humanidade: vivências do elenco e da produção
Durante o episódio, os apresentadores Paulo Pelicano e Kleber Gutierrez dialogam com o diretor e com diversos atores da produção. Os depoimentos revelam um ambiente de trabalho leve, colaborativo e transformador. Muitos dos atores, em início de carreira, relatam que De Passagem foi uma verdadeira escola, onde puderam experimentar liberdade criativa e amadurecimento artístico.
Uma das atrizes entrevistadas comenta sua experiência em uma cena silenciosa, na qual expressa sentimentos apenas com o olhar — elemento que evidencia a direção sensível de Ricardo Elias e sua aposta no poder das sutilezas narrativas.
Outros entrevistados lembram os desafios de gravar em locações reais, em meio ao movimento das ruas, com barulhos, interrupções e imprevistos. Ainda assim, falam com entusiasmo sobre a experiência e a importância de fazer parte de um projeto que foge dos clichês e valoriza a pluralidade das experiências periféricas.
Além disso, destaca-se uma frase simbólica dita durante o programa: “O cinema brasileiro é o nosso petróleo do século XXI”, em alusão ao potencial cultural e econômico da produção audiovisual nacional. Essa ideia sintetiza o espírito do filme e da edição do programa — ambos comprometidos com a visibilidade de narrativas que muitas vezes são silenciadas.
Episódio 11 - 07 de Maio de 2004. Fonte: Canal RedeUltra (Canal de acervo mantido pela TeleObjetiva).
Ruído Visual: crônica audiovisual da comunicação independente
Ruído Visual foi um projeto de comunicação ousado e necessário. Criado em dezembro de 2003 na então Art Haus TV (posteriormente Ultra TV), o programa era conduzido por dois jornalistas com longa trajetória no meio: Paulo Pelicano e Kleber Gutierrez. Utilizando técnicas do jornalismo literário e a máxima “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o programa abordava a comunicação sob diferentes aspectos, sempre com uma abordagem autoral e reflexiva.
Produzido de forma independente, sem roteiros fixos e com recursos limitados, Ruído Visual se destacou por sua autenticidade. Cada episódio trazia à tona temas relevantes da cultura, mídia e sociedade, a partir do ponto de vista de quem estava nas margens — sejam elas geográficas ou simbólicas.
Entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, a plataforma TeleObjetiva está promovendo o resgate dessas edições, que marcaram uma geração de produtores culturais e jornalistas independentes. Ao revisitar episódios como o de De Passagem, o público tem a chance de refletir sobre como o jornalismo pode ser ao mesmo tempo sensível, crítico e comprometido com a diversidade de vozes.
O projeto de resgate das edições de Ruído Visual também serve como tributo ao legado de Paulo Pelicano, falecido em 2009. Pelicano foi um dos precursores da produção independente em vídeo na internet no Brasil, entusiasta do jornalismo literário e mentor de projetos que ajudaram a moldar a comunicação digital no país.
Um legado que permanece vivo
O episódio Ruído Visual #11 – De Passagem é mais do que um registro de bastidores cinematográficos. Ele representa a força de uma comunicação que nasce do afeto, da curiosidade e da escuta atenta. Reassistir a esse conteúdo é reencontrar um Brasil que pensa e produz cultura nas bordas, com potência, inventividade e coragem.
Professor universitário desde 2005, é mestre em comunicação e especialista em criação visual e multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Atualmente dirige a TeleObjetiva e coordena os cursos de Rádio, TV e Internet; Produção Audiovisual e Fotografia da FAPCOM, além da comissão própria de avaliação (CPA) da instituição.