Na sétima edição da série Biscoito Raro, a protagonista é Fabiana Cozza, uma das vozes mais potentes e respeitadas da música brasileira contemporânea. Cantora, intérprete, ex-jornalista e filha do samba, Fabiana compartilha no episódio sua trajetória, experiências espirituais, influências familiares e o processo criativo que molda sua arte.
Gravado em 2004 e veiculado pela Art Haus TV, o episódio apresenta uma artista em pleno florescimento, que havia deixado o jornalismo para se dedicar exclusivamente à música. Ao longo da conversa, Fabiana revela como a ancestralidade, o samba, a religiosidade e a formação técnica se entrelaçam em sua construção artística. A entrevista é costurada com apresentações ao vivo, que revelam toda a força interpretativa e a sensibilidade musical de Fabiana Cozza.
A construção artística de Fabiana Cozza: samba, fé e herança familiar
O episódio começa com Fabiana recordando sua primeira experiência com o samba: um enredo defendido por seu pai em 1980. Nascida em um ambiente musical, ela cresceu ouvindo samba e jazz, e seu pai foi figura central nessa formação. Desde cedo, teve contato com compositores clássicos do samba, o que lhe proporcionou uma base sólida tanto musical quanto cultural.
Fabiana também compartilha sua vivência espiritual: começou cantando em igrejas católicas, mas posteriormente se aproximou do budismo e das religiões de matriz africana, especialmente o candomblé e a umbanda. Essa trajetória plural aparece em sua interpretação vocal e na escolha de repertório, sempre permeados por profundidade emocional e espiritualidade.
Em 2000, após anos de atuação no jornalismo, Fabiana decidiu se dedicar integralmente à música. Essa decisão foi impulsionada por um chamado interno, pela certeza de que a música era seu caminho de vida. Ela conta que fez aulas de canto com Jane Duboc, uma das maiores vozes da música brasileira, que a ajudou a desenvolver não apenas a técnica, mas também a consciência de palco e a escuta coletiva.
Fabiana reconhece que sua maturidade artística se manifesta de formas diferentes no palco e no estúdio. Enquanto o estúdio exige precisão e introspecção, o palco demanda presença, entrega e improviso. Essa dualidade contribui para que ela construa uma carreira sólida, baseada em interpretações marcantes e arranjos bem trabalhados.
Sua relação com os músicos que a acompanham é baseada na colaboração. Ela traz ideias pré-concebidas, mas confia no grupo para moldar os arranjos de forma coletiva, garantindo assim uma sonoridade viva, orgânica e rica em nuances.
Fabiana se define como uma intérprete de samba, mas sua musicalidade vai além das fronteiras do gênero. Suas apresentações incluem referências à MPB, ao jazz, à música afro-brasileira e à canção tradicional, tudo isso embalado por uma entrega vocal intensa, carregada de emoção e respeito à tradição.
Fabiana Cozza no Biscoito Raro - Ep. 7
Fabiana Cozza e o papel da mulher no samba
Além de seu talento vocal, Fabiana Cozza ocupa um lugar de destaque ao representar a mulher negra no samba, um território historicamente masculino. Sua presença cênica e posicionamento artístico abrem caminhos para novas gerações de cantoras e compositoras que veem nela uma referência de força, sensibilidade e consciência social.
O samba, desde seus primórdios, foi um espaço de resistência cultural e social para negros, mulheres e comunidades marginalizadas. Ainda assim, muitas vozes femininas enfrentaram e enfrentam barreiras para conquistar reconhecimento. Fabiana não apenas canta o samba — ela o encarna com dignidade, estudo e devoção.
Sua obra também é marcada por um repertório que valoriza compositoras e temas ligados à ancestralidade, ao feminino, à espiritualidade e à justiça social. Em um tempo em que a indústria fonográfica ainda insiste em modelos estéticos limitados, Fabiana rompe padrões e desafia rótulos.
Sua atuação extrapola o palco: ela se envolve em projetos sociais, oficinas e debates sobre a negritude na música brasileira, a relação entre arte e espiritualidade e o papel transformador da cultura. A cantora atua como ponte entre o passado e o futuro do samba, mantendo vivas as raízes enquanto aponta para novos horizontes.
A performance ao vivo incluída no episódio do Biscoito Raro confirma tudo isso. Fabiana domina o palco com elegância e intensidade. Sua voz, potente e ao mesmo tempo terna, é o fio condutor de uma narrativa que honra a história do samba sem perder o frescor da novidade.
A presença de Fabiana Cozza no acervo da Art Haus TV
O episódio com Fabiana Cozza foi gravado durante a primeira fase da Art Haus TV, canal digital criado em 2003 com o objetivo de valorizar expressões culturais alternativas. A produção ficou por conta de Paulo Pelicano (1952–2009) e Antonio Franco, dois nomes fundamentais para o desenvolvimento da televisão digital independente no Brasil.
Biscoito Raro foi um dos principais programas da Art Haus TV. Em apenas 10 edições exibidas entre maio e dezembro de 2004, a série reuniu entrevistas e apresentações musicais de artistas considerados “raros” por sua originalidade, autenticidade e qualidade estética.
A série está sendo resgatada e restaurada pela produtora TeleObjetiva, responsável atualmente pelo acervo da antiga Art Haus. O projeto de resgate tem como missão preservar e divulgar produções culturais relevantes que, por diferentes razões, ficaram fora do circuito comercial.
Ao reexibir episódios como o de Fabiana Cozza, a TeleObjetiva também presta homenagem ao legado de Paulo Pelicano, cuja sensibilidade jornalística e olhar humanista ajudaram a documentar um momento único da cultura brasileira.
O episódio com Fabiana Cozza representa, assim, mais do que um retrato artístico. É uma celebração da força do samba como herança viva e da mulher como protagonista na música popular brasileira.
Professor universitário desde 2005, é Mestre em Comunicação e Especialista em Criação Visual e Multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Durante quase 10 anos, coordenou o curso de Rádio, TV e Internet FAPCOM. Também coordenou os cursos de Produção Audiovisual e Fotografia (durante 4 anos) e de Multimídia (durante 2 anos) da mesma instituição. Antes, coordenou o curso técnico em Multimídia do Liceu de Artes e Ofícios (2009-2010). Atualmente é diretor-executivo da TeleObjetiva e professor da FAPCOM.