A terceira edição do programa Biscoito Raro, produzido por Paulo Pelicano e Antonio Franco, apresenta uma entrevista intimista com um grupo musical dedicado ao choro brasileiro (Choro & cia), gênero musical tipicamente nacional. Exibido originalmente pela Art Haus TV entre maio e junho de 2004, o episódio mergulha nas raízes dessa música que dialoga com a história cultural do país.
O grupo fala com propriedade sobre as origens do choro brasileiro, sua evolução ao longo das décadas e a importância de preservar suas características originais. Ele compartilha também sua jornada pessoal na música e a criação do grupo Choro & Cia, que levava a tradição do choro para bares, feijoadas e eventos culturais em São Paulo. Para quem busca compreender melhor esse gênero musical e suas transformações, este episódio é um verdadeiro documento histórico.
A tradição e a resistência do choro brasileiro
Durante a entrevista, o grupo reflete sobre o surgimento do choro brasileiro (também conhecido como chorinho) entre as décadas de 1850 e 1870, destacando como as polcas europeias foram incorporadas à sensibilidade rítmica brasileira. Ao citar Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Anacleto de Medeiros, Choro & Cia resgata figuras centrais da consolidação desse estilo musical ainda no século XIX.
O grupo argumenta que o choro brasileiro autêntico — aquele que une sofisticação melódica e espontaneidade rítmica — entrou em declínio a partir dos anos 1970 e 1980. Para ele, a tradição foi sendo diluída por versões modernas que, embora bem executadas, perdem a essência do gênero. O grupo defende a preservação do choro original, marcado por pequenas formações instrumentais, improviso, e forte carga emocional.
Outro ponto relevante da conversa é a vivência familiar com a música. Influenciado pelo pai, também músico, o entrevistado encontrou no choro um elo afetivo e cultural. A fundação do grupo Choro & Cia, segundo ele, surgiu desse desejo de manter vivo o espírito do choro de roda, tocado em encontros entre amigos, onde a música é feita com o coração.
Com apresentações no Bar do Alemão, no Virada Cultural do Bexiga e no Bar Aquarela, o grupo exemplifica como o choro continua pulsando na cidade, mesmo diante das dificuldades de espaço e valorização da música instrumental.
Grupo de choro brasileiro "Choro & Cia" no 3o episódio do programa Biscoito Raro
O choro como patrimônio imaterial e cultural do Brasil
Além do relato pessoal e histórico apresentado na entrevista, vale destacar que o choro brasileiro é reconhecido como patrimônio imaterial da cultura brasileira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde 2000. Esse reconhecimento oficializa a importância de um gênero que, embora não tenha a visibilidade da MPB ou do samba, exerce influência decisiva sobre a música brasileira como um todo.
Nascido na segunda metade do século XIX, o choro é considerado o primeiro gênero musical urbano tipicamente brasileiro. Inicialmente tocado por músicos populares no Rio de Janeiro, com flauta, cavaquinho e violão, o choro se destacou por sua combinação entre técnica, improviso e lirismo. Ao longo do século XX, foi adotado por grandes nomes da música nacional, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo e Altamiro Carrilho.
Mesmo com os desafios impostos pela modernidade — como o avanço da música eletrônica e o apagamento da cultura instrumental nas grandes mídias — o choro brasileiro continua se reinventando em rodas espontâneas, festivais e escolas de música. Projetos como o Clube do Choro em Brasília e o Conservatório de Tatuí são exemplos de como a tradição é passada adiante.
A entrevista do Biscoito Raro é um registro precioso dessa resistência, colocando o gênero em pauta por meio da voz de quem vive o choro no cotidiano. O formato do programa, com tempo para a escuta e valorização da fala do entrevistado, permite que nuances e afetos relacionados à música aflorem naturalmente, tornando o episódio não apenas informativo, mas também profundamente humano.
O resgate do acervo Art Haus TV e do legado do Biscoito Raro
A série Biscoito Raro foi veiculada originalmente pela Art Haus TV, uma web TV pioneira criada em 2003, muito antes da popularização das plataformas de streaming. O programa, produzido por Paulo Pelicano (1952–2009) e Antonio Franco, teve apenas 10 edições, mas se destaca como uma iniciativa à frente de seu tempo, voltada à valorização da cultura brasileira e da comunicação alternativa.
O acervo completo da Art Haus TV — incluindo todas as edições de Biscoito Raro — hoje pertence à produtora TeleObjetiva, que atua no resgate e preservação desse material. A proposta é devolver à sociedade conteúdos que marcaram uma época e ainda têm muito a dizer sobre cultura, identidade e resistência.
A recuperação do programa é também uma forma de homenagem a Paulo Pelicano, jornalista de trajetória singular, que apostou na internet como meio de difusão cultural num período em que isso ainda era visto com desconfiança. Portador do Mal de Parkinson, Pelicano tratava da vida com ironia e profundidade, misturando jornalismo literário, crônica e memória.
Revisitar o Biscoito Raro é mergulhar numa produção rara não apenas pelo nome, mas pela sua proposta e relevância. A cada nova publicação, o portal da TeleObjetiva convida o público a resgatar, revisitar e refletir sobre os caminhos da cultura brasileira.
Professor universitário desde 2005, é Mestre em Comunicação e Especialista em Criação Visual e Multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Durante quase 10 anos, coordenou o curso de Rádio, TV e Internet FAPCOM. Também coordenou os cursos de Produção Audiovisual e Fotografia (durante 4 anos) e de Multimídia (durante 2 anos) da mesma instituição. Antes, coordenou o curso técnico em Multimídia do Liceu de Artes e Ofícios (2009-2010). Atualmente é diretor-executivo da TeleObjetiva e professor da FAPCOM.