Cezinha de Oliveira: música com coração e palavra

O universo musical e poético de Cezinha de Oliveira

Na quarta edição da série Biscoito Raro, resgatada do acervo histórico da Art Haus TV, o programa conduz o espectador ao universo musical de Cezinha de Oliveira, cantor, compositor e arranjador mineiro com mais de três décadas de trajetória. Nascido em Juiz de Fora (MG), Cezinha é apresentado como um verdadeiro “biscoito raro”: um artista que traduz, em suas canções e reflexões, o encontro entre o lirismo da tradição mineira e a urbanidade pulsante de São Paulo.

O episódio, gravado e originalmente exibido em 2004, intercala entrevista e trechos de apresentações musicais. Ao longo da conversa, o músico compartilha suas influências, parcerias, filosofia de vida e sua profunda relação com a poesia e a música como expressão emocional e identitária. Com sensibilidade e leveza, o programa constrói um retrato afetivo de um artista que segue à margem do mercado massivo, mas profundamente inserido na história sensível da música brasileira.

O universo musical e poético de Cezinha de Oliveira

Durante a entrevista, Cezinha de Oliveira revela como sua musicalidade foi moldada pelo contexto cultural de Minas Gerais. Ele cita a cultura barroca como uma de suas inspirações — com sua estética de contrastes, detalhes e profundidade — e destaca a serenidade mineira como elemento marcante em sua forma de cantar e compor. Artistas como Milton Nascimento são evocados não apenas como influências musicais, mas como fontes de orientação estética e espiritual.

A trajetória de Cezinha o levou a percorrer diferentes regiões do país, especialmente em apresentações de baile. Essas experiências contribuíram para ampliar seu repertório rítmico, integrando samba de raiz (com referências a Noel Rosa, Cartola e Nelson Cavaquinho) ao seu universo musical. O resultado é um som que carrega, ao mesmo tempo, tradição, afetividade e inovação.

Ao falar sobre suas composições, o artista destaca a parceria com sua esposa, Eliane Verbena, poeta e letrista. Muitas das músicas nasceram da musicalização de poemas escritos por ela. A canção “Lembrança”, por exemplo, é descrita como uma autobiografia poética, que retrata memórias da infância de Eliane no interior de Minas. Cezinha descreve esse processo como uma extensão do afeto: a poesia se transforma em música, e a música devolve à poesia uma nova camada de existência.

A maneira como Cezinha vê a música é carregada de emoção: ele a compara a um segundo coração, algo indispensável, vital, essencial. Sobre a poesia, afirma que é uma “certidão de sentimento”, definindo-a como o documento mais verdadeiro da experiência humana. São essas metáforas, simples e profundas, que tornam sua fala um prolongamento da sua arte.

Cezinha também rememora suas origens no canto, influenciado pela mãe e por vozes emblemáticas como Nelson Gonçalves. Desde os cinco anos de idade, a música esteve presente em sua vida. Mais tarde, foi se aprofundando nas obras de Gilberto Gil — destacando a canção “Se Eu Quiser Falar com Deus” — e nas construções líricas de Chico Buarque, dois compositores que ele admira profundamente pela capacidade de dizer muito com economia de palavras e precisão emocional.

O episódio, com cerca de 15 minutos, é entrecortado por apresentações ao vivo que evidenciam o talento vocal, a delicadeza nos arranjos e a força das letras interpretadas por Cezinha. A proposta do Biscoito Raro, mais do que informar, é proporcionar uma escuta afetiva, e neste episódio, isso se concretiza com plenitude.

Cezinha de Oliveira - o entrevistado da quarta edição do Biscoito Raro

O papel de Cezinha de Oliveira na canção brasileira contemporânea

Cezinha de Oliveira pode ser considerado um dos representantes discretos, porém fundamentais, da canção brasileira contemporânea. Sua obra dialoga com um campo estético que, embora à margem das grandes mídias, possui enorme valor cultural. Esse campo é alimentado por artistas que, como ele, conjugam lirismo, experimentação e fidelidade à canção brasileira como forma de arte.

A cidade de Juiz de Fora, sua terra natal, historicamente se constituiu como um importante polo cultural de Minas Gerais. Situada entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a cidade abrigou artistas, festivais e grupos que valorizam tanto a tradição quanto a inovação na música. A formação de Cezinha nesse contexto favoreceu um olhar abrangente sobre o fazer musical.

Ao se transferir para São Paulo, Cezinha passou a integrar um circuito alternativo de produção musical. Bares, centros culturais, projetos independentes e movimentos ligados à MPB autoral tornaram-se espaços de circulação de seu trabalho. Nesse ambiente, sua música passou a ser também resistência — resistência à pasteurização, ao apagamento da memória cultural e à lógica de mercado que valoriza apenas o que é imediato.

Sua parceria com Eliane Verbena, por sua vez, insere a dimensão literária com ainda mais força no seu repertório. Em tempos de letras cada vez mais curtas e refrões repetitivos, Cezinha aposta no verso, no arranjo bem cuidado, na harmonia que acompanha o significado.

A importância de artistas como Cezinha está também em sua atuação como guardião da canção — uma figura que, mesmo sem os holofotes, mantém acesa a chama da música feita com esmero, sentimento e densidade poética. Por isso, sua presença no Biscoito Raro é mais do que um registro biográfico: é um testemunho sobre um Brasil profundo e sensível.

Biscoito Raro e o resgate de uma memória invisibilizada

O programa Biscoito Raro foi uma iniciativa singular veiculada na Art Haus TV, web TV criada em 2003 e pioneira na produção independente de conteúdo cultural no ambiente digital. O programa foi criado e produzido por Paulo Pelicano (1952 – 2009) Antonio Franco, e foi ao ar entre maio e dezembro de 2004, com apenas 10 episódios, mas deixou um legado de relevância indiscutível.

A proposta do programa era valorizar artistas pouco visíveis no grande mercado, mas profundamente comprometidos com a expressão artística autêntica. Cada episódio foi pensado como um “biscoito raro”, ou seja, um conteúdo de valor especial, raro e refinado, voltado a um público interessado em mergulhar na arte com profundidade.

O resgate desse acervo está sendo conduzido pela produtora TeleObjetiva, que atualmente detém os direitos do material da Art Haus TV. Este trabalho de digitalização e disponibilização pública é uma ação de preservação da memória cultural e midiática do Brasil, dando visibilidade a produções que contribuíram para o fortalecimento da comunicação alternativa e da arte independente.

Ao revisitar Biscoito Raro, a TeleObjetiva também presta homenagem a Paulo Pelicano, jornalista e produtor cultural cuja atuação inovadora antecipou muitas das discussões atuais sobre conteúdo independente, curadoria e plataformas digitais. A recuperação dessas gravações é, portanto, não apenas um ato de arquivo, mas também de reconhecimento, de afeto e de justiça histórica.

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