A regulamentação da TV por assinatura no Brasil é marcada pela garantia de acesso a conteúdos essenciais para a população. Um dos principais instrumentos dessa regulamentação é o conceito de “Must Carry”, estabelecido pela Lei nº 12.485/2011, que obriga as operadoras a incluir determinados canais gratuitamente em suas grades de programação. Esses canais, chamados de obrigatórios, cumprem um papel fundamental na democratização da informação, cultura e educação.
Quais são os canais obrigatórios?
A legislação brasileira, no artigo 32 da Lei nº 12.485/2011, define diferentes categorias de canais obrigatórios que devem ser disponibilizados pelas operadoras de TV por assinatura:
- Canais de Radiodifusão Local (TV Aberta):
- Incluem emissoras com concessão pública, como Globo, SBT, Record TV, Band e RedeTV!.
- No entanto, a lei obriga apenas a transmissão gratuita das geradoras locais (que geram seu sinal na mesma cidade em que a operadora de TV por Assinatura está instalada), desde que o sinal dessas geradoras seja analógico. Atualmente nenhuma capital e cidade de grande porte possui canal de TV aberta transmitido em sinal analógico.
- Canais Públicos:
- A lei obriga a transmissão gratuita dos canais da Câmara dos Deputados (federais – TV Câmara), do Senado (TV Senado), do poder judiciário (TV Justiça), do canal do Poder Executivo Federal (Canal .gov) e da TV Brasil (TV pública como instrumento de universalização dos direitos à informação, à comunicação, à educação e à cultura, bem como dos outros direitos humanos e sociais)
- A lei também obriga a transmissão de um canal voltado à educação (Canal Educação) e outro voltado à Cidadania, ambos operados pelo poder público federal.
- Canais Comunitários:
- Destinados a promover conteúdos regionais e de interesse da comunidade local.
- Canais Educacionais e Universitários:
- Relacionados a instituições de ensino, com programação voltada para educação e ciência.
- Canais Legislativos Estaduais e Municipais:
- Quando disponíveis na região do assinante, também devem ser incluídos na grade.
Esses canais cumprem a função de ampliar o acesso a conteúdos diversificados e fundamentais, reforçando o caráter social da comunicação audiovisual no Brasil.
Como funciona o Must Carry no sistema DTH?
O Direct-to-Home (DTH) é uma tecnologia de TV por assinatura via satélite, que apresenta desafios específicos no cumprimento das normas de “Must Carry”. Diferentemente das transmissões via cabo ou fibra, em que o sinal local pode ser captado diretamente, o DTH depende da retransmissão de sinais por satélite, o que gera custos adicionais e limitações técnicas.
- Região Específica: A obrigatoriedade se aplica apenas aos canais locais disponíveis na área onde o assinante está localizado.
- Áreas Remotas: Em localidades sem acesso ao sinal terrestre, o DTH é crucial para a democratização do acesso, transmitindo os canais obrigatórios via satélite.
Como as operadoras de DTH (como a Sky, por exemplo), transmitem seu sinal nacionalmente, a lei obriga a transmissão do sinal nacional ou regional das redes nacionais de televisão aberta.
Para ser considerada uma “Rede Nacional”, a rede precisa transmitir seus sinais em todas as regiões geográficas do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) e, atingir pelo menos 60% da população do país.
As redes que se enquadram nessa classificação são: Band, Canção Nova, Globo, Ideal TV (ex-MTV Brasil), Rádio e TV Aparecida (TV Aparecida), Record, Record News, Rede Brasil de Televisão (RBTV), Rede Internacional de Televisão (RIT), Rede CNT, Rede RBI, Rede TV!, Rede Vida, SBT, TV Cultura (SP) e TVCI (TV Pai Eterno).
Se a operadora optar por transmitir um canal de uma dessas redes, deverá transmitir pelo menos mais um canal de cada uma das demais redes.
Também é obrigatório a transmissão de um canal comunitário nacional, o qual atualmente é a Com Brasil TV.
Apesar desses desafios, a tecnologia desempenha um papel vital na ampliação do alcance dos conteúdos obrigatórios, especialmente em regiões mais afastadas e com menor infraestrutura de comunicação.
Importância do Must Carry
A principal finalidade do “Must Carry” é garantir que todos os cidadãos, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica, tenham acesso a informações públicas, conteúdos culturais e educativos. Essa medida é particularmente relevante em um país com dimensões continentais como o Brasil, onde a oferta de sinais terrestres ainda é desigual.
Além disso, a inclusão de canais públicos e comunitários promove a transparência nos poderes públicos, a diversidade cultural e a pluralidade de vozes no ambiente midiático. É uma iniciativa que fortalece o direito à comunicação e ao acesso à informação.
Desafios e controvérsias
Embora essencial, o “Must Carry” enfrenta críticas e desafios operacionais e comerciais:
- Custos de Retransmissão: Operadoras DTH enfrentam pressões financeiras devido à necessidade de transmitir múltiplos sinais regionais, o que exige espaço nos satélites e investimentos em infraestrutura.
- Impasses Comerciais: Emissoras de TV aberta, como a Globo, já solicitaram remuneração para que suas transmissões sejam incluídas no sistema DTH, gerando debates acalorados com as operadoras. O mesmo aconteceu ao longo do processo de digitalização da TV Aberta, entre as operadoras de TV por Assinatura e o grupo formado pela Record, SBT e Rede TV!. Como o sinal da TV Aberta local passou a ser digital, as operadoras de TV por assinatura precisaram negociar com as emissoras locais para continuar distribuindo os sinais dessas emissoras aos assinantes.
- Capacidade Limitada: A restrição de espaço nos satélites para canais locais pode comprometer a diversidade na grade de programação.
Apesar dessas dificuldades, o equilíbrio entre os interesses comerciais das operadoras e das emissoras, bem como as demandas dos consumidores, é essencial para assegurar a efetividade da política.
Considerações finais
O “Must Carry” é um marco na regulamentação da TV por assinatura no Brasil, assegurando a disponibilização de canais essenciais para milhões de brasileiros. Essa política reforça o papel social da mídia e contribui para a inclusão digital e cultural no país. No entanto, sua aplicação exige constante diálogo entre operadoras, emissoras e órgãos reguladores, como a Anatel, para superar os desafios tecnológicos e comerciais.
Compreender a importância do “Must Carry” não é apenas uma questão técnica, mas também uma forma de reconhecer seu papel na democratização da informação e na valorização da diversidade cultural.
Professor universitário desde 2005, é mestre em comunicação e especialista em criação visual e multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Atualmente dirige a TeleObjetiva e coordena os cursos de Rádio, TV e Internet; Produção Audiovisual e Fotografia da FAPCOM, além da comissão própria de avaliação (CPA) da instituição.