Falar sobre teatro e comunicação é mergulhar numa arte que, mais do que representar histórias, estabelece conexões profundas entre quem cria e quem assiste. O episódio de janeiro de 2004 do programa Ruído Visual traz um recorte instigante dessa relação ao apresentar dois espetáculos que dialogam diretamente com os sentidos, os afetos e a imaginação do público: “Imagens da Quimera”, do grupo carioca Moitara, e “Filosofia da Alcova”, da companhia Os Sátiros, de São Paulo.
Sem a pretensão de mapear toda a riqueza da produção teatral brasileira, o programa propõe refletir sobre como o teatro se comunica — não apenas por meio das falas, mas também pelo corpo, pela imagem e pelo jogo simbólico em cena. A experiência de quem assiste se torna tão ativa quanto a de quem representa. É nesse lugar de troca e invenção que o teatro mostra sua força como linguagem essencial.
A linguagem do corpo como ponte comunicativa
No espetáculo “Imagens da Quimera”, o grupo Moitara explora a comunicação para além do texto. Máscaras, manipulação de bonecos e uma fisicalidade intensa se transformam em códigos que o público interpreta intuitivamente. A narrativa se constrói em camadas visuais, sensoriais e emocionais, provando que o teatro é, antes de tudo, uma arte do presente — viva, energética e irrepetível.
A atriz Daniela Fosaluzzi e outros membros do grupo destacam como a máscara teatral, um dos pilares da pesquisa da companhia, contribui para a criação de arquétipos e permite ao ator representar o “espírito” desses modelos humanos universais. Segundo ela, o teatro é uma relação de verdade e generosidade com o público, em que o olhar e a energia são tão importantes quanto as palavras.
Episódio 5 - Janeiro de 2004. Fonte: Canal RedeUltra (Canal de acervo mantido pela TeleObjetiva)
A provocação como forma de diálogo
Por outro lado, “Filosofia da Alcova”, do grupo Os Satyros, apresenta uma proposta mais direta e provocativa, baseada na obra do Marquês de Sade. O espetáculo trata de erotismo, moralidade, liberdade e política com intensidade e agressividade cênica. A interação entre elenco e plateia ultrapassa a barreira do palco, promovendo o que os atores chamam de “orgias visuais” e “orgias mentais”.
Os depoimentos dos artistas revelam como o espetáculo desperta reações intensas e convida à reflexão sobre os limites sociais e pessoais. A encenação é marcada por uma estética ousada e discursos potentes, que desafiam convenções e questionam dogmas, como os da religião e da justiça.
Nesse caso, a comunicação teatral se dá por meio do choque, do confronto e do excesso, resgatando o papel do teatro como espaço de debate e transgressão. O público é levado a pensar, sentir, reagir — e, muitas vezes, a sair transformado.
Teatro e Comunicação: experiência de vida e transformação
Os participantes do programa Ruído Visual reforçam que o teatro vai muito além do entretenimento. Ele pode ser ferramenta de educação, instrumento de autoconhecimento e até mesmo uma forma de sobrevivência. Um dos entrevistados relata que o teatro o “salvou” da desesperança e o constituiu como pessoa.
Essa dimensão transformadora do teatro está no centro da sua capacidade de comunicar. Não se trata apenas de dizer algo a alguém, mas de criar relações. Como bem define uma das falas do programa, o teatro é relação em sua essência — ele é mais que uma linguagem, é uma vivência coletiva de invenção e empatia.
Quando o teatro cumpre esse papel, ele abre espaço para que histórias sejam contadas, memórias sejam compartilhadas e futuros sejam imaginados. Ele cria um espaço simbólico onde o espectador se vê, se reconhece ou se estranha, mas sempre participa.
Por fim,
A interseção entre teatro e comunicação revela a potência de uma arte que não se limita à fala ou ao roteiro. Através do corpo, do espaço, da imagem e do silêncio, o teatro comunica o indizível, convoca o espectador a entrar em um mundo construído em tempo real e o convida a fazer parte dele.
Seja na delicadeza visual de “Imagens da Quimera” ou na intensidade provocadora de “Filosofia da Alcova”, o que se evidencia é a capacidade do teatro de criar pontes. Pontes entre criadores e público, entre passado e presente, entre realidade e ficção. Nessa travessia, a comunicação se dá de forma plena, sensorial e afetiva — e é isso que faz do teatro uma arte eternamente atual e necessária.
Professor universitário desde 2005, é mestre em comunicação e especialista em criação visual e multimídia. Trabalhou em importantes faculdades e colégios técnicos de São Paulo e Santo André. Radialista de formação, teve passagem por emissoras de TV e Produtoras de TV e Internet. Atualmente dirige a TeleObjetiva e coordena os cursos de Rádio, TV e Internet; Produção Audiovisual e Fotografia da FAPCOM, além da comissão própria de avaliação (CPA) da instituição.